Foi uma enorme asneira ter aceite exercer um cargo político.
Não sou político, não sou, nem nunca fui filiado em nenhum partido político, não gosto de exposição pública e tinha uma situação profissional invejável que assegurava o meu futuro e dos meus.
Comecei por aceitar o desafio de contribuir para uma agenda de centro- esquerda para a economia à qual foi dada o nome de Plano Tecnológico e a seguir aceitei integrar o governo como Ministro da Economia.
Porquê? Porque Portugal tem sérios problemas e está a ficar para trás e acredito que tal não é um “triste fado”. Acredito que é possível mudar de rumo sem ser preciso mudar tudo. Mas, para que tal aconteça o primeiro passo é acabar de uma vez por todas a indiferença, o encolher de ombros, perante Portugal estar cada vez mais para trás no ranking da UE em termos de rendimento por habitante.
Não há explicação plausível para
- Portugal ser um dos pouquíssimos países da Europa sem tecnologia 5G (apenas Chipre, Malta e a Lituania estão na mesma situação)https://www.publico.pt/2021/01/26/economia/noticia/portugal-grupo-paises-europeus-5g-1947496
- haver uma enorme falta de computadores para as crianças (depois de o país ter sido líder nesta matéria)https://www.publico.pt/2021/02/04/sociedade/noticia/alunos-novos-vao-passar-menos-tempo-computador-ensino-distancia-1949374
- o país exportar tantos excelentes profissionais da saúde (que fazem grande falta em Portugal), etc.
Há muita gente de valor em Portugal em todas as áreas, mas os melhores fogem da política como o diabo da cruz, deixando a política apenas para pessoas que, na maioria dos casos, vêm das juventudes partidárias ou da administração pública. Não há comentador que não diga como é negativo a política ser uma coutada reservada a políticos que precisam da política para viver.
Quem foge da política tem toda a razão porque corre sérios riscos. Quem mostra alguma independência e tem ideias próprias no exercício de um cargo político arrisca-se a dar cabo da vida para sempre.
Em Confinado mostro a diferença existente entre o sector da energia e o resto da economia, que vai mal sem se vislumbrar uma mudança de rumo.
Não admira porque o crescimento, a competitividade e a produtividade não são de forma alguma uma prioridade.
Infelizmente, Portugal está a ficar para trás perante a indiferença generalizada, ou quase generalizada.
A ficar para trás
Até aproximadamente o ano de 2000, a economia portuguesa “convergiu”, no sentido de o rendimento médio por habitante se ter aproximado da média da UE.
Desde então, verifica-se o oposto e o resultado é Portugal estar a ficar cada vez mais para trás, apesar de vultuosas transferências anuais da UE estimadas em 2.5% do PIB/ ano pelo Banco de Portugal.https://www.bportugal.pt/page/economia-numa-imagem-1
Já há muito poucos países da UE em que o rendimento médio por habitante seja inferior ao de Portugal.
Venda de empresas
As grandes empresas com valor estratégico (energia, banca, seguros, telecomunicações, construção, etc,) foram vendidas a investidores estrangeiros de uma forma que não se verifica em nenhum lado. Nem o Luxemburgo foi tão longe. A diferença com Espanha é impressionante. Nos Estados Unidos, seria impensável. Uma vergonha!
Sempre que referi esta situação aos meus alunos a sua reação foi sempre de incredulidade.
Chocante
O investimento (público e privado) é baixíssimo. Portugal é dos países da UE em que o peso do investimento no PIB é menor. Porquê?
Em resultado disto, o stock de capital (máquinas, fábricas, etc.) por trabalhador é quase metade da média da UE o que, conjugado com os problemas que vêm de trás de baixa qualificação, em média, da mão-se- obra, explica a produtividade ser tão baixa em Portugal.
Baixa produtividade implica baixos salários, o que, por sua vez, resulta em haver muita emigração para o estrangeiro e grande pressão para aumentar os gastos sociais.
A figura ao lado mostra o capital público por trabalhador (hospitais, escolas, pontes, aeroportos, etc.) e mostra uma situação verdadeiramente chocante. Sensivelmente desde 2014, ou seja durante a vigência de um governo de “esquerda”, o stock de capital público está em queda. Porquê? Porque a estratégia de redução do déficit orçamental foi feita em boa medida à custa do investimento público!
Problemas que se arrastam sem solução
Por outro lado, os problemas em vários sectores arrastam-se há muitos anos sem vislumbre de solução.
Exemplos
O novo aeroporto de Lisboa esteve para ser na Ota, antes de passar ao estatuto de “obra faraónica“, a seguir era para ser no Montijo e agora ninguém sabe onde será.
https://www.rtp.pt/play/p4234/e371893/pros-e-contras
Há 20 anos, Durão Barroso acordou com o governo de Espanha metas ambiciosas para a construção de uma rede de alta velocidade.
Essas metas foram reduzidas com Sócrates, o que não o livrou de ser acusado de patrocinar uma obra faraónica. Ainda há pouco tempo, o tema era considerado tabu. Estava adiado por muito tempo.
Qual tabú, qual carapuça.
De repente, o TGV renasceu sob a forma de uma linha de alta velocidade entre Lisboa e o Porto, a qual se estende até Vigo e uma linha entre Lisboa e Madrid que era por ser apenas para mercadorias, mas também será para passageiros.
A razão para tudo isto é muito simples. “O Estado português (leia-se os políticos portugueses) é muito incompetente.
No que respeita ao sector da energia a situação é diferente: auto- suficiência, liderança nas energias renováveis, tarifas mais baixa do que na média da UE e empresas sólidas.
Em vez deste exemplo ser copiado, sucede o oposto: criam-se comissões de inquérito e persegue-se quem contribuiu para encontrar uma solução para um problema que, à partida, era muito difícil de resolver, como está descrito em Confinado.