Ninguém está interessado em aprofundar a teia de relações entre agentes políticos e interesses económicos no sector da energia. Este tema é tratado em Confinado.
Tente imaginar o que foi um ministro independente, sem filiação partidária e alvo de ataques diários na imprensa, ter de resolver a situação em que se encontravam as 2 maiores empresas portuguesas em 2005: a GALP era um cancro e estava em vias de ser tomada pela ENI e a EDP estava sem rumo, havendo a forte possibilidade de ser absorvida pela IBERDROLA.
É impossível perceber o caso EDP sem perceber como ele está ligado ao caso da GALP, criado durante o governo Guterres.
O dicionário define em sentido próprio pântano como “atoleiro, lamaçal formado numa pequena depressão de terreno barrento” e em sentido figurado como um “conjunto de comportamentos imorais, dissolutos”.
A 16 de Dezembro de 2001, António Guterres, um político brilhantíssimo por quem tenho grande admiração, demitiu-se do cargo de Primeiro Ministro com base no argumento de que pretendia evitar um pântano político.
Posteriormente, o termo pântano ficou associado a comportamentos em que agentes políticos e privados atuaram de forma não transparente ou mesmo à margem da lei.
Num artigo de autoria de São José Almeida no jornal Público sob o título “O pântano era a corrupção”, João Cravinho afirmou recentemente “Não é verosímil que tenha sido por causa das autárquicas serem impeditivas de uma acção normal de governação [que o antigo primeiro-ministro se demitiu]”, sublinhando: “O Guterres não é tonto, não ia pensar numa justificação impossível. Tanto mais que não se retirou da vida pública.” O que se passou é que o antigo primeiro-ministro “achou que havia um clima pestilento” e “colocou-se na posição de não-aceitação de um certo tipo de jogo”, afirma Cravinho, sublinhando: “A reação de Guterres é fundamentalmente uma reação de fundo moral.”
Em que áreas se sentia esse clima pestilento de forma mais intenso?
https://www.publico.pt/2021/04/08/politica/noticia/pantano-guterres-corrupcao-1957543
O histórico socialista Manuel Alegre defende, no fundo, o mesmo. “Sente que o PS, a determinada altura, ficou capturado por interesses económicos? Sempre. Começou com uma pessoa que está acima de toda a suspeita, o António Guterres. Que é um socialismo cristão que foi o pai político. Foi ele que abriu as portas a muitas coisas. “
Que coisas foram essas?
Portas giratórias
Parece ter razão quem afirma que a área de sonho de qualquer esquerdista é a energia.
Na área da energia, o PS de António Guterres levou o sistema das chamadas portas giratórias a um nível nunca visto anteriormente, por ordem cronológica (não pretendendo ser exaustivo)
- Um Secretário de Estado do Tesouro (António Almeida) assumiu a presidência executiva da EDP e, posteriormente, do OMIP
- Um Secretário de Estado da Energia (José Penedos) foi nomeado presidente da REN
- Um super Ministro das Finanças e Economia do governo Guterres (Pina Moura) assumiu a presidência da Iberdrola em Portugal e o seu Secretário de Estado para a Energia (Vítor Santos) a presidência da ERSE, outro dos seus secretários de estado (Fernando Pacheco) também estando ligado à Iberdrola
- O seu sucessor como Ministro da Economia transitou para o governo diretamente da presidência da EDP (Mário Cristina de Sousa)
- O sucessor deste foi nomeado presidente do OMIP por indicação da EDP (Braga da Cruz)
GALP
No sector da energia, o governo da altura (António Guterres) entendeu
- Tirar os investidores portugueses da GALP (GES, Bulhosa, Amorim, etc.) dando-lhe o benefício de não pagarem imposto de mais valias sobre a venda da sua participação à empresa ENI, controlada pelo estado italiano
- Aprovar um decreto lei que levou à venda de parte do capital (mas não a maioria) da GALP à ENI à Iberdrola
- Porém, por simples assinatura de um ministro, o mesmo governo deu à ENI, através de um acordo parassocial, a opção de assumir uma participação maioritária na GALP
>> O acordo parassocial está aqui para quem o quiser ler <<
Causa perplexidade admitir que nenhum membro do governo conhecesse o acordo parassocial e as suas implicações. Mas tudo é possível.
Sucessivos governos do PSD tentaram remediar esta situação, até que ela foi resolvida em 2005- 2006 quando eu fui ministro com a tutela do sector da energia.
Posso garantir, e convém que tal fique muito claro que, naturalmente com o poio do 1º Ministro, se não tivesse sido encontrada uma solução que impedisse à ENI de controlar a GALP o caso terminaria nos tribunais internacionais e a legalidade do referido acordo parassocial seria denunciada, o que teria implicado levar a tribunal uma importante decisão de um anterior governo do PS.
Tal veio a não ser necessário em resultado da entrada de Américo Amorim para o capital da GALP em condições extremamente favoráveis para o estado.
Tudo isto é explicado em detalhe no livro.
EDP
A nomeação de António Mexia para a presidência da EDP não tem nada a ver com o que consta do processo do caso EDP, o que poderá ser confirmado por várias testemunhas.
No final de 2005, acionistas privados da EDP (PauloTeixeira Pinto, Vasco de Mello, Jorge Ferro Ribeiro) solicitaram uma reunião com o governo, na qual apresentaram o seguinte:
- Primeiro, nomeação de António Mexia para a presidência da EDP (estavam insatisfeitos com a anterior gestão, que estava ligada à tentativa de dar à EDP o monopólio dos gás natural, o que a Comissão Europeia não permitiu)
- Segundo alterar os estatutos da empresa, de maneira a concentrar todo o poder no seu presidente executivo (à semelhança do que se verificava então no BCP) e
- Terceiro permitir que a Iberdrola passasse a integrar os corpos sociais da EDP.
O representante em Portugal da Iberdrola era, `na altura, o mesmo ministro que tinha assinado o acordo parassocial que tinha dado à ENI a possibilidade de controlar a GALP, que era, ao mesmo tempo, dirigente nacional do PS, consultor do BCP para a área da energia e administrador da TVI.
Ricardo Salgado não teve rigorosamente nada a ver com este processo.
A solução do governo foi:
- Aceitar o nome avançado , mas reduzir os poderes do presidente da comissão executiva, em vez de os aumentar
- Criar um Conselho Geral e de Supervisão com poderes reforçados e com um presidente nomeado pelo acionista estado, o que exigiu uma alteração ao Código das Sociedades
- O acionista estado escolheu o presidente do CGS (António Almeida, que dava garantias de exercer o cargo com a maior independência)
- A Iberdrola não foi autorizada a integrar os corpos sociais da EDP.
Estas situações são relatadas no livro Confinado em detalhe.
Naturalmente, estou disponível para dar a João Cravinho e Manuel Alegre os esclarecimentos que entenderem ser necessários sobre estes 2 processos.