Silêncios da CPI sobre as chamadas rendas excessivas

Em qualquer democracia o parlamento tem um papel importantíssimo no apuramento da verdade.

Muitos ainda se lembram do  papel do Senado no processo que levou ao impeachement de Richard Nixon nos Estados Unidos. Legisladores democratas e republicanos deram um exemplo ao mundo de como deve funcionar um Estado de Direito.

Tenho grande respeito pelo Parlamento e pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, em que vários deputados deputados se têm destacado. Porém, existe a ideia generalizada de que o produto final de várias Comissões de Inquérito não traduz o que lá se passa, por razões políticas.

Em 2018 foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito cujo mandato era investigar as supostas “rendas excessivas pagas aos produtores de eletricidade” com especial enfoque nos CMEC e na extensão do domínio hídrico. 

Os trabalhos da CPI prolongaram-se durante mais de 12 meses, durante os quais foram chamadas mais de 50 pessoas a testemunhar.

O relator foi o deputado Jorge Costa do Bloco de Esquerda. Apesar de discordar de vária das suas conclusões, considero ter feito  um bom trabalho, sendo autor do relatório preliminar que haveria de ser votado pelos deputados.

No relatório preliminar

Relativamente aos CMEC, não é apontado nada que me diga respeito no capítulo 1. Nem uma linha.

Relativamente à extensão do domínio hídrico

É explicado com clareza no capítulo 2 que não teve lugar um concurso para a extensão do domínio hídrico por causa de 3 medidas legislativas tomadas anteriormente a eu ser ministro e destacada a importância do acordo de cessação dos CAE.

No relatório final

PS, PSD e CDS entenderam-se para eliminar o capítulo 2, pelo que desapareceu tudo, mas mesmo tudo, o que se referia à extensão do domínio hídrico, apesar deste tema ter sido discutido durante dezena de horas. 

Trata-se de um escândalo que desprestigia o parlamento, para além de um desrespeito para com quem perdeu dezenas de horas a preparar a sua intervenção perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

Assim, é como se o senado americano criasse uma comissão para investigar o caso Watergate e no seu relatório final constasse tudo, menos o caso Watergate. Nos Estados Unidos seria um escândalo. A imprensa não se calaria.

Para defender a democracia representativa em Portugal, é importante apurar como foi possível criar uma CPI cujo objeto principal era, porventura, discutir o tema da extensão do domínio hídrico e do relatório final não constar sobre isso uma linha, uma palavra ou uma letra.

Foram os deputados do PS, PSD e CDS que tomaram esta singular decisão de forma autónoma ou receberam instruções da direção dos seus partidos?

Honra seja feita ao Partido Comunista e ao Bloco de Esquerda porque votaram a favor da inclusão de um capítulo sobre a extensão do domínio hídrico no relatório da CPI.

Partilha esta publicação